BRASIL SÉCULO XIX: DA INDEPENDÊNCIA AO FIM DO IMPÉRIO
Introdução
O
processo que levou à Independência brasileira inicia-se muito antes do ano de
1822. Ele remonta a vinda da Corte Portuguesa, em 1808, e aos acordos possíveis
entre diversos grupos interessados em manter determinada situação e aqueles em
conquistar mais direitos e privilégios.
1. A Corte portuguesa e a Independência
O
bloqueio continental decretado por Napoleão Bonaparte (1806) e a invasão de
tropas francesas em Portugal (1807) resultaram na vinda da família real
portuguesa para o Brasil. Em 1808 aportaram em terras brasileiras centenas de
navios com a Corte, funcionários e outros tantos de nobres.
A
capital colonial sofreu grandes transformações, a começar pela população que
aumentara de repente talvez em 50% . Estima-se em dois mil o número de
funcionários que vieram para o Brasil e, terminada as guerras napoleônicas,
parte das tropas portuguesas transferiram-se para o Rio de Janeiro.
A
abertura dos portos permitiu que mercadorias inglesas fossem facilmente
encontradas nas lojas da capital. Mudavam os hábitos, as maneiras, a moda.
Principalmente as elites tentavam se adaptar ao modo de vida dos nobres
portugueses. A liberação das atividades industriais no Brasil, proibidas desde
o alvará de 1785, assinado por D. Maria I, não resultou em desenvolvimento
industrial do país, uma vez que os portugueses garantiram, através de acordos e
tratados, vantagens alfandegárias à Inglaterra.
É bom
lembrar que a impossibilidade de os produtos manufaturados brasileiros
competirem com os produtos ingleses, mantinha inalteradas as características
básicas da economia da época, essencialmente agrário-exportadora.
A
política joanina, a partir de 1808, caracterizou-se pela: dinamização das
atividades econômicas da colônia; organização da administração pública; e uma
política externa agressiva, com as invasões na Guiana Francesa, que seria
devolvida à França em 1817, e na banda Oriental (Uruguai) que, rebatizada de
Província Cisplatina, faria parte do território brasileiro até 1825.
A
estadia da Corte portuguesa foi importante no processo de emancipação e de
formação do Estado brasileiro no século XIX.
Leia o texto a seguir :
“A
transferência da Corte portuguesa para o Brasil conferiu à nossa independência
política uma característica singular. Enquanto a América espanhola obteve a
independência por meio de lutas mais ou menos sangrentas, a presença da Corte
no Brasil favoreceu a ruptura colonial sem grandes convulsões sociais e,
também, preservando a unidade territorial.
De
fato, dada a característica de sua formação colonial, até o século XIX o Brasil
estava dividido em unidades dispersas, sem vínculos entre si, cada qual
obedecendo diretamente a Lisboa. A unidade territorial e política existia,
quase que exclusivamente, do ponto de vista da administração metropolitana. A
conversão do Brasil em sede da monarquia portuguesa teve o mérito de transferir
para colônia o conceito de unidade de que carecia. Por essa razão, o processo
de emancipação colonial do Brasil deu-se como luta pela apropriação do Estado
já constituído.
Com a
instalação da Corte no rio de Janeiro, os senhores rurais brasileiros passaram
a ter, teoricamente, oportunidade para influir diretamente nas decisões do
governo. Porém, os ricos comerciantes, na maioria reinóis (portugueses)
aliaram-se à nobreza burocrática que acompanhara o regente [D. João] na fuga,
constituindo o grupo dominante. O verdadeiro núcleo de poder era formado pela
nobreza burocrática. Formada segundo o espírito tradicional do Antigo Regime
[caracterizado pela monarquia absolutista, pelo mercantilismo e pela sociedade
estamental, isto é, com pouca ou nenhuma mobilidade social entre os grupos
sociais que a formam], essa nobreza monopolizava os postos-chaves. Ao lado
disso, D. João era um monarca de tipo absolutista, o que restringia de maneira
bastante significativa a participação dos senhores rurais brasileiros na vida
política.
Em seu
governo, D. João multiplicou as repartições públicas sem atentar para as
necessidades sociais. Os gastos aumentaram e as rendas tributárias tradicionais
já não eram suficientes para as despesas. A manutenção do Estado e da luxuosa
vida cortesã exigia o aumento dos tributos existentes e a criação de outros,
pois os impostos alfandegários, a principal fonte de recursos, haviam
diminuído. (...)
Já em
12 de outubro de 1808 foi o criado o Banco do Brasil para servir de instrumento
financeiro do Tesouro Real, embora a sua finalidade declarada fosse a de atuar
como instituição creditícia [fornecedora de créditos por meio de empréstimos e
subsídios] dos setores produtivos – comércio, indústria e agricultura.
O
governo pôde, então, emitir papel-moeda para suprir suas necessidades,
custeando as despesas da casa real, tribunais, exército, pensões e soldos, aos
quais o Erário Régio [Tesouro Real] destinava cerca de dois terços de suas
receitas. Com isso, o Banco do Brasil teve sua finalidade adulterada. Em conseqüência, a fragilidade do banco recém-criado
tornou-se evidente. Para dar-lhe um mínimo de solidez, foram criados dois
impostos (...). Em suma, o Banco do Brasil foi criado para cobrir déficits
financeiros do Estado e o próprio banco era sustentado por novos impostos...
Nada
disso eliminou o déficit. E como os impostos, apesar de elevados, não cobriam
os gastos, os funcionários viviam com os salários atrasados, às vezes até um
ano. Isso estimulou a prática da corrupção generalizada entre os funcionários
públicos, que cobravam dos interessados uma certa quantia para tocar os
despachos, processos e concessões. Mas não eram apenas os pequenos. Os altos
funcionários, não raro, estavam associados a contrabandistas, favorecendo
operações ilícitas.”
[Koshiba, Luiz
e Pereira, Denise M. F. – História
do Brasil. 7.ª ed., São Paulo, Atual, 1996, pp. 96-97.]
1.1. Brasil transforma-se em Reino Unido
Desde
1815 a situação do Brasil se modificara. Tornado Reino Unido a Portugal por
acordos internacionais mediados pelo governo britânico, a situação parecia
melhorar para os brasileiros, ou melhor, para a elite brasileira. Não mais
colônia, sem estar submetido ao antigo sistema colonial, o Brasil poderia ter
um desenvolvimento maior com a liberdade comercial e a equiparação de todos aos
“reinóis”. Mas o controle da economia, isto é, do “livre comércio” cabia aos
portugueses, assim como os cargos administrativos e a influência política.
Enquanto isso em Portugal... Napoleão derrotado e o país libertado, sua
administração foi entregue aos britânicos, o que não agradou a burguesia
portuguesa que permanecera e enfrentara todo o período de domínio francês. O
país endividara-se demasiado com os britânicos e a economia mergulhara em
profunda crise. Em meio aos movimentos nacionalistas que despontavam na Europa,
os portugueses começaram a questionar a tutela britânica e o abandono de seu
próprio governo.
Em
1820, a Revolução Constitucionalista do Porto pôs fim à tutela britânica em
Portugal. Essa revolução impulsionou, de certa maneira, o processo de emancipação.
A Revolução do Porto foi LIBERAL, propunha a descentralização, a autonomia e a
limitação do poder real com o estabelecimento de uma CONSTITUIÇÃO. Mas também
foi perigosa para os interesses de brasileiros e portugueses com seu projeto
recolonizador.
No
Brasil, alinharam-se elementos portugueses e brasileiros mais os membros da
família real com seus interesses específicos. Aos brasileiros interessava a
autonomia das províncias e o fim do poder centralizado e praticamente absoluto
da coroa; aos portugueses a continuidade, mesmo que isso significasse a
independência; à família real interessava não perder poderes, que seriam
limitados pela constituição.
As
discussões política ganharam as ruas, as tavernas, o palácio real e outros
espaços públicos e privados. Animavam-se alguns, preocupavam-se outros com o
que viria das Cortes [Parlamento] de Portugal. Os interesses eram variados e
até conflitantes, mas nem portugueses nem brasileiros queriam perder o que
haviam conseguido desde 1808; muito menos os britânicos: a recolonização
significaria a volta do monopólio comercial e, portanto, a perda de um
importante mercado.
D.
Pedro, feito regente e figura popular, transformou-se em centro dos acordos
entre as várias partes interessadas na independência ou em uma saída que
evitasse a recolonização. Os “brasileiros”, liberais – moderados conservadores
e radicais –, esperavam poder controlar o poder através de uma constituição que
lhes garantiria seus direitos. Os “portugueses” esperavam manter tudo como
estava, concentrando o controle da máquina estatal e os privilégios até o
momento conseguidos.
Quando
a situação de união dos reinos tornou-se insustentável, a única saída
encontrada para os dois grupos – e para a família real – foi a separação. O ato
de separação do sete de setembro confirmou as intenções emancipacionistas e
desencadeou a resistência das tropas portuguesas em várias províncias e a ânsia
por mudanças mais profundas do que a simples independência política da parte
dos liberais radicais. O que resultou afinal foi uma conciliação controlada
pelos membros da elite para manter afastadas as camadas populares e elementos
de setores possuidores de projeto mais radical para o Brasil. A mudança
política foi necessária para preservação da estrutura socioeconômica, com os
privilégios, o latifúndio, a escravidão e a “vocação” agrária. Uma emancipação
feita de cima para baixo.
2. O Império e a Constituição
Feito
imperador do Brasil, D. Pedro - popular por suas atitudes perante as cortes
revolucionárias de Lisboa - logo revelaria suas intenções (as da casa real de
Orleans e Bragança) conjugadas às dos portugueses. O instrumento que garantiria
os interesses da elite de brasileiros, a constituição, tornou-se inicialmente
uma decepção. Convocada a Assembléia Constituinte em 1823, seu projeto de lei
máxima apresentava pontos avançados para um monarca moldado pela tradição
absolutista, sendo dissolvida pela força. A noite de resistência – a “noite da
agonia” - dos deputados não resistiu às armas e muitos dos constituintes foram
deportados e presos, inclusive José Bonifácio de Andrada e Silva. O projeto
vencedor foi o imposto por D. Pedro I: a carta outorgada garantia maiores
poderes ao imperador através do chamado Poder Moderador. Mantinha-se, assim,
uma tradição absolutista.
Os
Brasileiros, que haviam apoiado D. Pedro, afastavam-se aos poucos do imperador no
mesmo momento em que a influência dos Portugueses aumentava. O descontentamento
popular se manifestava em vários lugares, principalmente no Rio de Janeiro e no
Nordeste. Em 1824 ocorreu a Confederação do Equador, tendo como centro
irradiador de revolta Pernambuco. Desde 1823 o descontentamento se expressava
através dos jornais pernambucanos, nos quais ideias liberais podiam ser
percebidas claramente. Corrupção, privilégios aos portugueses, endividamento
crescente do país, falta de autonomia se juntavam à situação econômica
complicada da aristocracia nordestina: concorrência internacional e preços cada
vez mais baixos dos produtos de exportação, açúcar e algodão.
A
situação se agravara com a Guerra Cisplatina - pela independência da província
brasileira que passou a se chamar Uruguai - e com os interesses crescentes por
parte de D. Pedro ao trono português após a morte de D. João VI - o perigo de
nova união e os gastos com a luta pelo trono em que o imperador interveio a
favor de sua filha, Maria. As pressões sobre o imperador cresceram de tal maneira
que a situação tornou-se insustentável. A saída conciliatória foi a abdicação:
em 1831 D. Pedro I deixou de ser imperador do Brasil. Seu filho, D. Pedro de
Alcântara, com cinco anos de idade, estaria sob a tutela de José Bonifácio,
conselheiro do imperador no início do reinado e que se afastou aos poucos por
causa das atitudes deste; e o governo sob a regência escolhida pelo Senado e
pela Câmara dos Deputados.
3. As Regências
O
período das regências significou antes de qualquer coisa, a consolidação das
elites rurais no poder e a estruturação das instituições de Estado. Alguns historiadores
afirmam ter sido o período de uma experiência republicana, visto que a
monarquia, na prática, não existia; porém sua sombra estava presente nas
transações políticas.
Sem a
interferência do Poder Moderador [Imperador], os grupos políticos que se
reorganizaram puderam moldar o Estado aos seus interesses. Não, porém, sem
conflitos sangrentos na luta pelo poder, geradores de movimentos separatistas e
de um “vulcão” social das camadas populares, como disse Raymundo Faoro. A luta
travava-se no campo da oposição entre CENTRALISMO CONSERVADOR e
DESCENTRALIZAÇÃO LIBERAL.
As
propostas liberais, é bom lembrar, ficavam no tom moderado e limitado de sua
aplicação. Os liberais reuniam-se em dois grupos: moderados e exaltados, com
seus respectivos apelidos - chimangos
e farroupilhas ou jurujubas, respectivamente. Os primeiros
desejavam pequena centralização, através de uma monarquia cujo poder estaria
limitado, garantindo a manutenção da estrutura socioeconômica e efetuando-se
algumas mudanças/reformas. Eram representantes das aristocracias do sudeste,
basicamente cafeicultores. Os exaltados desejavam a descentralização e alguns
deles até propunham a república e mudanças mais profundas. Representavam
basicamente setores médios urbanos e alguns latifundiários do Nordeste e do
Sul.
Os
conservadores, apelidados de caramurus, desejavam em um primeiro momento a
reaproximação com Portugal e D. Pedro I - por isso, restauradores –, propondo
um centralismo forte. Eram representados por antigos nobres da época pombalina,
funcionários e comerciantes, em sua maioria portugueses, mas também alguns
latifundiários que não desejavam muitas mudanças, alguns até antigos liberais.
O
poder estava nas mãos dos liberais moderados. Tentavam afastar os extremos
políticos do momento - conservadores e exaltados -, ao mesmo tempo em que
tentavam a conciliação sempre que sentiam ameaçados. A disputa entre esses
grupos deu chance às camadas populares atuarem efetivamente nos movimentos
provinciais ao longo dos anos 30 e 40 do século XIX. Alguns movimentos tiveram
a liderança e efetiva participação populares, outros foram manipulações das
aristocracias locais. Violentamente reprimidas, mostraram que era necessário um
poder que pudesse se sobrepor aos interesses regionais e ao mesmo tempo
conciliar/defender os interesses dessas aristocracias locais.
A
maioridade serviu a esse propósito. Liberais e Conservadores se uniram para
decretar a maioridade de D. Pedro de Alcântara - com 14 anos - e restaurar o
Poder Moderador. O restabelecimento da ordem, de um poder central, serviu para
acabar com os movimentos provinciais que ameaçavam o poder das aristocracias.
Enfim, cumprir as funções de um Estado: defender os interesses de quem assumiu
o poder, submetendo os demais interesses.
Assim,
a disputa pelo poder entre Liberais e Conservadores permaneceu no âmbito
político do Parlamento do Império. Instituiu-se o regime parlamentarista, mas
um parlamentarismo muito diferente do
modelo britânico e, por isso, chamado de “as Avessas”. No Brasil o poder
executivo subordinava o legislativo.
Centralismo e Parlamentarismo significavam ordem e conciliação.
Conservadores e Liberais, assim, passaram a se revezar no poder através do
Ministério, afastando cada vez mais a possibilidade de mudanças mais profundas
e de participação política da maioria da população. As eleições eram
estreitamente controladas pela aristocracia, pela fraude e violência aos
adversários.
4. O Liberalismo no Brasil
A
formação de agrupamentos políticos no período imperial, não se fundamentou em
uma diferenciação ideológica entre os liberais e os conservadores. O
LIBERALISMO se constituiu em termo diferenciador de interesses entre os setores
da elite que disputavam o controle do Estado, entre a descentralização pretendida
pelos Liberais e o centralismo pretendido pelos Conservadores.
O
seguinte texto faz uma análise das faces do Liberalismo no Brasil durante o
Império .
“O
discurso dominante de 1836 a 1850 foi, entre nós, uma variante pragmática de
certas posições já assumidas pelos chamados patriotas ou liberais históricos,
que herdaram os frutos do Sete de Setembro. E por que históricos? Porque foram,
sem dúvida, as lutas da burguesia agroexportadora [elite agrária –
latifundiários] que tinham cortado os privilégios da Metrópole graças à
abertura dos portos em 1808; esses mesmos patriotas tinham garantido, para si e para sua classe, a liberdade de
produzir, mercar e representar-se na cena política. Daí, o caráter funcional e
tópico do seu liberalismo. Quanto aos conservadores, assim autobatizados de
1836 em diante, apenas secundaram os moderados [Liberais], a cujo grêmio até
então pertenciam, sucedendo-os nas práticas do poder e baixando o tom da sua
retórica. Mantendo sob controle terras, café, escravos, bastava-lhes o registro
seco, prosaico, às vezes duro, da linguagem administrativa. (...)
(...)
‘Liberalismo’, diz Raymundo Faoro [em Os donos do Poder], ‘não significava
democracia, termos que depois se iriam dissociar, em linhas claras e, em certas
correntes hostis’.
A
pergunta de fundo é então: o que pôde, estruturalmente, denotar o nome liberal,
quando usado pela classe proprietária no período de formação do novo Estado?
Uma
análise semântico-histórica aponta para quatro significados do termo, os quais
vêm isolados ou variamente combinados.
1) Liberal, para a nossa classe dominante até
meados do século XIX, pode significar conservador das liberdades, conquistadas
em 1808, de produzir, vender e comprar.
2) Liberal pôde, então, significar conservador da
liberdade alcançada em 1822, de representar-se politicamente (...).
3) Liberal pôde, enfim, significar conservador
da liberdade (...) de submeter o trabalhador escravo mediante coação jurídica.
4) Liberal pôde, enfim, significar capaz de
adquirir terras em regime de livre concorrência (...).”
[Bosi , Alfredo, Dialética da Colonização.
São Paulo, Cia das Letras, 1994.]
5. A produção industrial no século XIX
Durante o século XIX, a economia mantinha-se essencialmente
agrário-exportadora e a força de trabalho continuava essencialmente escrava.
Apesar do crescimento de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, continuávamos
a exportar produtos tropicais, como no período colonial, e importando cada vez
mais produtos industrializados, máquinas, capitais e tecnologia.
O café
monopolizava as exportações brasileiras e as preocupações da elite dominante –
cafeicultores e todos os envolvidos nos negócios de café – e, consequentemente,
do governo imperial. A atividade industrial permanecia em segundo plano. No
entanto, é dessa economia baseada na produção e comercialização do café que
houve o acúmulo de capitais a serem aplicados em atividades também industriais.
Não só
o complexo cafeeiro (produção, comercialização, mudanças técnicas, investimentos
e reinvesti mentos) concorreu para “aceleração” d industrialização no Brasil.
Já na década de 1840, em plena ascensão dos cafeicultores do oeste paulista,
discutia-se sobre as importações e sobre a escravidão. A primeira discussão
envolvia as taxas alfandegárias cobradas dos produtos importados,
principalmente da Grã-Bretanha. Há muito os produtos britânicos (não ingleses)
tinham privilégios alfandegários – herdados de Portugal – que dificultavam a
produção brasileira. A Tarifa Alves Branco, de 1844, não teve muita eficácia,
pois as taxas ainda eram baixas para as necessidades do Tesouro brasileiro.
A
segunda discussão envolvia outra disputa com o império britânico: a manutenção
da escravidão. Ora, a Grã-Bretanha voltava-se contra o tráfico de escravos de
maneira incisiva e imperial. Atacava pontos de comercialização de escravos na
África e pressionava de todas as maneiras as nações americanas para que
cessassem o tráfico e encaminhassem a abolição do trabalho escravo. Estava em
jogo para os britânicos a ampliação do mercado mundial para seus produtos.
As
pressões britânicas contra a decisão de aumentar as taxas alfandegárias logo
apareceram. Em 1845 o governo britânico aprovou o Bill Aberdeen: os navios de
guerra da marinha britânica passavam a estar autorizados a abordar qualquer
navio que fosse suspeito de estar carregando negros africanos escravizados e
apresar o navio e prender a tripulação. A ação dos navios britânicos ocorre, às
vezes, em águas costeiras do Brasil, até mesmo na baía de Guanabara. Pressionado,
o governo brasileiro cede e a Câmara dos Deputados aprova uma lei em 1850 que
aboliu o tráfico de escravos: a Lei Euzébio de Queiroz.
Essa
lei teve um alcance muito grande no desenvolvimento econômico do país. Capitais
antes empregados na compra de escravos passaram a ser desviados para outras
atividades. Num primeiro momento, procurou-se burlar a lei contrabandeando
escravos; ou procurou-se sanar a necessidade de escravos na crescente lavoura
cafeeira, com a compra de escravos de outras províncias. Nada disso durou
muito. E o capital acumulado pode ser utilizado também em outros investimentos.
O
estabelecimento de indústrias nos moldes ingleses encontrava muitos obstáculos.
Primeiro, o Brasil carecia de um mercado interno consumidor que pudesse
consumir uma produção em escala industrial, como ocorria na Inglaterra; além do
que faltava dinheiro circulando, tanto moedas como, já na segundo metade do
século XIX, papel moeda; não faltava a riqueza. Segundo, o mercado de trabalho
era muito restrito: o uso de escravos para todo o tipo de trabalho inibia a
iniciativa de abrir uma fábrica, visto que o número de trabalhadores
especializados seria pequeno. As indústrias existentes estavam mais próximas de
manufaturas familiares com uma produção limitada e ainda utilizando escravos
para as tarefas menos especializadas. Junte-se a isso, a falta de interesse em
investir na compra de máquinas e tecnologia.
Precisamos assinalar um componente importante como obstáculo: a
desvalorização do trabalho na sociedade, especialmente o trabalho manual. Em
uma sociedade de formação escravista todo trabalho passa a ser identificado
como próprio de um escravo. Os homens livres não desejavam ser identificados
com escravos, mesmo sendo trabalhadores. Era muito comum um artesão brasileiro
não querer ser visto em sua função, trabalhando. Mesmo negros forros
(libertos), mestiços e até escravos possuíam escravos para trabalhar e carregar
as ferramentas de trabalho. Se para a população pobre a situação indicava essa
atitude, para os “bem-nascidos” era impensável trabalhar: os escravos fariam
todo o serviço necessário à sua (deles) sobrevivência e o que faltasse poderia
ser importado.
Assim
mesmo, negócios fabris foram estabelecidos. Alguns tiveram uma existência muito
curta, outros conseguiram sobreviver um pouco mais. Conhecemos mais de perto os
empreendimentos de Irineu Evangelista de Sousa, conhecido como Barão de Mauá.
Para a época, seus esforços estavam “avançados”, indo contra a corrente da
elite dominante conservadora, para quem o Brasil era um país de “vocação
agrária e escravista” e isso não podia mudar.
O maior
impulso a instalação de indústrias fabris ocorreu nas últimas décadas do século
XIX. Assiste-se a mudanças substanciais na sociedade brasileira. Além da
possibilidade de contar com capitais advindos do complexo cafeeiro,
encaminhava-se com mais vigor a luta pela abolição da escravidão, o que
sinalizava para um aumento do mercado consumidor e da circulação monetária.
Junte-se a isso o processo crescente de entrada de imigrantes europeus em
direção da lavoura cafeeira, principalmente, mas que também se fixaram em áreas
urbanas. Além de proporcionar um acréscimo a um mercado interno.
6. A Crise do modelo monárquico e o advento da
República
Apesar
de inserido na lógica da DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (DIT), o país ainda
ressentia-se do parco desenvolvimento de sua indústria – mesmo com os esforços
de Mauá – e de sua dependência com relação aos produtos industrializados
estrangeiros. Ora, diversos setores das elites estavam acomodados à situação:
os escravos trabalhando e produzindo a riqueza necessária para que essas elites
pudessem consumir o luxo e o que mais que quisessem do exterior.
Outros
setores das elites, porém, desenvolveram outras necessidades que iam além da
manutenção do trabalho de escravos em suas fazendas, ou em qualquer outro
lugar. Ao seu lado, setores urbanos, surgidos do desenvolvimento das cidades
por conta da expansão cafeeira, e militares ligados à escola do Exército, também,
apresentavam necessidades que o governo imperial parecia não poder – ou não
querer – atender ou promover condições para seu atendimento.
A
partir da década de 1870, essa situação se intensifica e encaminha a uma crise
no poder instituído – o Imperador e os setores mais conservadores das elites
escravocratas – e a uma nova composição de forças políticas, momentânea é
certo, resultando na proclamação da República.
De
maneira geral, os fatores presentes da crise foram:
a. A
ascensão econômico-social da aristocracia cafeeira do oeste de São Paulo: “
vinculada a uma economia agrário-exportadora, articulou-se, desde o principio
com a transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado. No entanto, a
aristocracia cafeeira do este paulista não tinha poder político correspondente
à sua projeção econômica, que, em fins do Império, superava em muito a dos
barões do café do Vale do Paraíba e dos senhores de engenho do nordeste. Assim,
o questionamento ao poder político das elites agrárias que operavam com o braço
escravo, transformou-se em questionamento à própria ordem imperial que dava
sustenção à escravidão.” [Faria, Ricardo de Moura et alii. História. Vol..3, Belo
Horizonte, Lê, 1997, pp. 227-228.]
b. O
desenvolvimento de setores médios da população urbana: “fenômeno decorrente da
modernização e urbanização por que passava a sociedade brasileira desde meados
do século.(...) A concentração urbana trouxe novas necessidades e os grupos
médios não tinham razões para apoiar o regime monárquico, que em nada
contribuía à sua ascensão. O caráter censitário da Constituição de 1824
eliminava os setores médios de qualquer tipo de participação política”. [Faria, Ricardo de Moura et alii. História.
Vol..3, Belo Horizonte, Lê, 1997, pp. 227-228.]
c. A
“questão religiosa”, disputa entre a Igreja Católica e o Estado pelo fim da
interferência deste nos assuntos ligados exclusivamente religiosos, isto é, o
fim do padroado instituído com Constituição de 1824.
d. Um
fator importante foi a abolição da escravidão que tirou da monarquia um de seus
alicerces. Ora, os membros conservadores das elites viram-se sem apoio para
manter a força de trabalho que tanto lhes era cara e da qual não queriam se
desfazer.
A luta
abolicionista marcou o século XIX após a emancipação. De um lado, pessoas
interessadas na libertação de seres humanos e em restituir-lhes a dignidade. De
outro, os interesses político-econômicos de setores da aristocracia rural e de
setores médios da população urbana. Interesses diferenciados que se uniram para
acabar com a escravidão no Brasil. Além destes, assinala-se o interesse
britânico em que isso acontecesse.
Até o
século XVIII, os britânicos eram responsáveis pelo tráfico de escravos para a
América. Com o desenvolvimento industrial iniciado na segunda metade desse
mesmo século, o tráfico de escravos tornou-se um empecilho ao pleno
desenvolvimento do capitalismo industrial e liberal. Ora, era mais interessante
que os africanos permanecessem em seu continente trabalhando na produção de matérias-primas,
na extração de ouro, enfim, produzindo aquilo que era necessário aos interesses
econômicos da burguesia inglesa. Além disso, era necessário aumentar o mercado
consumidor para os produtos industrializados nos países que se formavam na América
Latina, como o Brasil.
A
pressão começara com os tratados assinados quando do domínio português sobre o
Brasil, que acertara o fim do tráfico ao norte do Equador a partir de 1815.
Quando da emancipação, em 1822, o governo brasileiro passou a ser pressionado
para por fim ao tráfico, condicionando assim, o reconhecimento do Brasil como
país independente. Em 1831, como estava acertado nos tratados de 1827, uma lei
foi aprovada, mas permaneceu “letra morta”, uma lei “para inglês ver”.
A
persistência do tráfico deveu-se à expansão do café. Com o aumento das pressões
britânicas, principalmente depois do Bill Aberdeen, 1845, que garantia à
marinha de guerra britânica ações contra os “tumbeiros”, como eram chamados os
navios negreiros, considerando-os piratas, o governo brasileiro cedeu e proibiu
o tráfico em 1850 quando a Lei Eusébio de Queiroz foi aprovada.
Apesar
disso, o contrabando de escravos continuava. Em 1854 foi aprovada a Lei Nabuco
de Araújo, que estipulava várias sanções às autoridades que permitissem o
contrabando de escravos. Ao mesmo tempo, é curioso, cafeicultores da região de
Vassouras, reuniram-se para discutir para evitar a falta de força de trabalho e
possíveis revoltas de escravos; para eles, era necessário estabelecer outros
mecanismos de repressão e controle sobre os escravos.
A
questão que mais preocupou os latifundiários foi o de manter o fornecimento de
trabalhadores para a lavoura cafeeira em expansão. O tráfico interno, de
regiões em decadência como o nordeste, pôde diminuir muito pouco a falta de
trabalhadores, que só foi solucionada com a utilização cada vez maior do
trabalhador livre imigrante europeu.
O fim
do tráfico constituiu-se um incentivo para a luta abolicionista. A campanha
passou a ser mais incisiva pela imprensa e entre os próprios escravos. Setores
médios da população urbana, engajados na luta abolicionista, tomaram como
essencial a abolição definitiva da escravidão como condição para a modernização
do país.
A
tática do silêncio por parte do governo e da elite escravocrata era uma
resposta diante das pressões britânicas e da opinião pública internacional.
Ora, os latifundiários dependiam dos escravos para manterem subprodução. Mesmo
os cafeicultores do Oeste Paulista, mais atentos à mudanças, com uma mentalidade
empresarial maior e que até tinham feito experiências com o trabalho livre,
mantinham-se conservadores em relação à questão escravista.
Somente quando as pressões abolicionistas aumentaram, a partir de 1870,
o medo da desorganização da produção pelas fugas de escravos e a subvenção da
imigração por parte do Estado, esses cafeicultores começaram a modificar sua
posição em relação à escravidão, já que 62% dos escravos concentravam-se nas
áreas produtoras de café (São Paulo, Rio de Janeiro).
A situação internacional apresentava mudanças
substanciais em relação à escravidão: somente Cuba e Porto Rico, além do
Brasil, mantinham essa forma de trabalho nos anos de 1870.
O
governo brasileiro tentava apaziguar os ânimos abolicionistas nacionais e
internacionais, aprovando leis paliativas, como a lei do Ventre Livre, ou lei
Rio Branco (por causa do Visconde de Rio Branco, chefe do Gabinete de
Ministros), em 1871. A imprensa já havia colocado em discussão o assunto antes
da lei ser aprovada. A imprensa, por sinal, foi fundamental para expressar a
opinião dos abolicionistas, abrindo o debate público e ajudando a formar a
opinião pública contra a instituição escravista.
A lei
aprovada em 29 de setembro de 1871, com a maioria dos votos de deputados do
norte e nordeste, cuja economia decadente, pouco dependia dos trabalhadores
escravos, enquanto os cafeicultores do centro sul, em sua maioria, votaram
contra a lei. Os filhos de escravos ficariam com as mães até os 8 anos, isto é,
os nascidos a partir de 1871. Depois eles poderiam ser entregues ao Estado,
mediante indenização, ou permanecer com o dono de sua mãe, como “nascidos
livres” até os 21 anos, prestando serviços em troca de seu sustento, o que era
mais comum. Na prática houve uma persistência da escravidão, uma vitória dos
escravistas. Os resultados práticos foram poucos: apenas 1503 negros foram
libertados de mais de um milhão e meio existentes.
Nos
anos 1880, o movimento abolicionista ganhou dimensão nacional com a fundação de
sociedades e associações abolicionistas, criando condições para a formação de
uma Confederação Abolicionista em 1883. A participação de setores urbanos se
amplia, o que já acontecia desde de 1850 com poetas (Castro Alves, por
exemplo), jornalistas, profissionais liberais, como José do Patrocínio, André
Rebouças e Antonio Bento, organizador do grupo das “Caifazes”. Estes promoviam
e apoiavam fugas de escravos, que continuavam a resistir à escravidão, podendo
a qualquer momento promover uma rebelião de grandes proporções.
No
Nordeste a campanha avançava rápido, resultando entre 1882 e 1884 na libertação
de todos os escravos no Ceará, que transformou-se em refúgio para os escravos
que buscavam a liberdade.
Ao
mesmo tempo, o número de escravos diminuía em relação à expansão da produção
cafeeira e a imigração europeia aumentava, apesar dos resultados incertos.
Diante
disso, os abolicionistas passaram a atuar de maneira mais intensa. Joaquim
Nabuco propôs em 1880 (24 de agosto) uma lei extinguindo a escravidão. Os
debates aumentaram e pressionaram o governo imperial. Sua reação veio com a Lei
Saraiva-Cotegipe, a lei dos Sexagenários, em 28 de setembro de 1885, que
libertava os escravos que tivessem atingido os 60 anos de idade, servindo até
os 65 como forma de indenização aos proprietários. Mais uma lei que tentava
apaziguar os abolicionistas e não desagradar os escravocratas.
Era
nítida, porém, a divisão entre as elites agrárias. No norte e nordeste, algumas
províncias aboliram a escravidão. Em São Paulo há fugas em massa rumo aos
quilombos, o mais famoso, o de Jabaquara. E nas cidades a libertação torna-se
corriqueira. O exército, nesse momento, recusava-se a servir de caçador de
escravos fugitivos.
As
pressões crescentes levaram o governo imperial à abolição no dia 13 de maio de
1888, a Lei Áurea. Contudo, essa lei previa não a abolição definitiva, mas a
abolição por 100 anos. Na realidade, a escravidão, legalmente, terminou apenas
com a promulgação da constituição de 1988!
Alcançada a libertação - no Brasil em 1888 -, porém, não houve mudança
da imagem em relação ao negro. Ora, a sociedade não estava preparada para
receber esse novo contingente de pessoas livres e absorvê-los no mercado de
trabalho de forma completa. Ou ainda, mudar seu conceito, ou melhor, seu
preconceito em relação a eles. Muito menos os escravos tinham sido preparados
para assumir novas funções. Os abolicionistas não se preocuparam em colocar em
discussão sobre o que fariam todos os escravos depois de livres nas sociedades
recém tornadas independentes. O resultado imediato foi a marginalização do
ex-escravo.
e. O
Movimento Republicano ganha fôlego a partir de 1870 com o lançamento d o
Manifesto e a fundação do Partido Republicano. O discurso federativo era
adequado aos anseios dos setores sociais ligados aos empreendimentos cafeeiros
do Oeste de São Paulo e da população urbana. E, ainda, atraía a atenção de
setores das forças armadas, especialmente do Exército, que passaram a perceber
a possibilidade de ter atendidas suas reivindicações de modernização do país.
f. O término da Guerra do Paraguai
(1865-1870): “O envolvimento da cúpula militar com os ideais republicanos,
divulgados na Academia Militar por Benjamin Constant, dentre outros, demonstra
o grau de desgaste do Exército com o regime imperial. Este, era acusado pelos
militares de descaso para com a instituição e de não ser capaz de operar as
grandes transformações necessárias à modernização do país. Assim, compreende-se
a aproximação dos meios militares com a aristocracia [adaptação nossa] cafeeira
paulista.” [Faria, Ricardo de Moura et
alii. História. Vol..3, Belo Horizonte, Lê, 1997, pp. 227-228.]. Ressalte-se
a influência do positivismo, amplamente divulgado entre os jovens oficiais da
Academia pelo mesmo Benjamin Constant, entre outros, e o contato intenso que os
oficiais tiveram com oficiais formados na tradição republicana na Argentina e
no Uruguai.
É
preciso ter claro que nem todos os republicanos caminhavam com um mesmo projeto
de república para o Brasil. Havia uma convergência de interesses no momento:
substituir o governo monárquico, estender a participação política (em termos) e
modernizar o país para que pudesse concorrer com os demais países
industrializados.
As
primeiras diferenças encontram-se entre os militares – majoritariamente
positivistas – e os civis – federalistas, com certeza, mas sem uma definição
ideológica única. Entre estes, pode-se distinguir entre os evolucionistas,
objetivos e os revolucionários ou idealistas.
Os
evolucionistas (ou evolucionários) eram contra a possibilidade de participação
ampla das camadas populares – o perigo de revolta social que pudesse ameaçar o
conforto e o poder das aristocracias rondava as mentes desses
republicanos. Entre eles muitos eram
adeptos do positivismo e entendiam que a evolução, baseada em princípios
científicos, levaria a sociedade à República, sem revolução, sem tumulto, sem
“anarquia”, mesmo que houvesse a necessidade da imposição de uma ditadura
liderada pelos militares. O Estado forte deveria ser o promotor do progresso e
o mantenedor da ordem. A maioria pertencia aos quadros do Exército e
acreditavam que somente essa instituição poderia estabelecer a “Ordem” e o
“Progresso”. Representam esse núcleo Benjamin
Constant, Miguel Lemos, Teixeira Mendes e Quintino Bocaiúva.
Outro
grupo, muito próximo deste e confundido com ele, era o dos republicanos
objetivos favoráveis a uma república liberal e oligárquica liderada pela
aristocracia, principalmente cafeeira. Para eles a participação popular deveria
ser limitada segundo normas estabelecidas, evitando também a possibilidade de
uma revolta popular ou o acesso à máquina do Estado. A inspiração liberal estava presente na
proposta de um federalismo que garantisse a autonomia das regiões constituintes
do país. O Estado deveria garantir os
interesses individuais, garantindo os direitos mínimos de cada um. Formavam esse grupo os cafeicultores
paulistas e outros grupos das aristocracias regionais. Representam esse grupo
Prudente de Morais e Campos Salles.
O
grupo dos revolucionários era influenciado pelo jacobinismo, herdeiro do
pensamento desenvolvido pelos jacobinos ao longo do processo revolucionário
francês no século XVIII. Eram favoráveis a uma república popular com ampla
participação e defendiam até a luta armada, se fosse necessária, para alcançar
o poder. Mesmo assim, defenderam o governo centralista do Marechal Floriano
Peixoto e beirou a uma ditadura. Esse grupo era formado majoritariamente por
setores urbanos, como pequenos funcionários de repartições públicas, de casas
comerciais e bancarias, jornalistas, médicos, advogados. Representavam esse
grupo Silva Jardim e Lopes Trovão.
Diante
da incapacidade do governo imperial em atender a todos os interesses, civis e
militares promoveram o golpe de 15 de novembro de 1889, no Campo de Santana,
proclamando o fim do regime monárquico e o inicio da republica brasileira. “O
povo assistiu, bestializado, à Proclamação da República”, disse Aristides Lobo
diante da indiferença e desinformação popular naquela manhã de 15 de novembro.
Introdução:
a República
Podemos definir República como o exercício
da liberdade de ação [política] voltada para o bem público, o bem comum. No
Brasil, a tradição republicana encontra-se nos movimentos emancipacionistas
desde o final do século XVIII [Inconfidência Mineira, 1789 e Conjuração Baiana,
1798] e do século XIX [Insurreição Pernambucana, 1817; Confederação do Equador,
1824; Revolução Farroupilha, 1835-45; Revolução Praieira, 1848]; como ideia
principal a necessidade de estabelecer um Estado e um governo sem a presença da
família Real Portuguesa, isto é, buscar a constituição efetiva e concreta de um
Estado Nacional Brasileiro.
A Proclamação da República, em 15 de
novembro de 1889, foi mais um movimento de descontentamento formado por setores
das elites agrárias das províncias (principalmente cafeicultores paulistas),
setores médios das cidades (jornalistas, advogados, médicos, estudantes) e os
militares, em especial do Exército. Os interesses eram diversos, mas convergiam
no ponto de que a monarquia não era mais adequada para garantir direitos e
privilégios.
1.
Governo Provisório – 1889/1891
Imediatamente
após a Proclamação instituiu-se um governo provisório chefiado pelo Marechal
Deodoro da Fonseca. As primeiras medidas foram:
-
destituição de todos os Presidentes das ex-províncias e dissolução das Assembleias
[provinciais], das Câmaras Municipais [centros de poder local] e do Conselho de
Estado;
-
transformação da províncias em estados [a semelhança dos EUA];
-
convocação da Assembleia Constituinte, 22/6/1890 [houve pressões tanto do Mal.
Deodoro da Fonseca quanto de cafeicultores e positivistas, que não desejavam
uma nova Constituição].
Durante a Assembleia Constituinte as discussões
foram conflituosas entre os grupos republicanos. O que prevaleceu no texto
constitucional foram os princípios Liberais.
Esse texto foi promulgado [aprovado pela
Assembleia] em 24/2/1891 estabeleceu, em suas disposições transitórias, que as
eleições indiretas para a Presidência e Vice-Presidência. Os candidatos se apresentaram e as pressões políticas
e ameaças aos deputados foram muitas até a eleição do Mal. Deodoro da Fonseca
para Presidência [de uma chapa] e o Mal. Floriano Peixoto para Vice [de outra
chapa].
Outros pontos aprovados foram: estabeleceu
o Federalismo [autonomia política e administrativa dos estados] e o Presidencialismo,
sufrágio não secreto [voto aberto], sistema bicameral [Senado e Câmara dos
Deputados, em nível Federal], eleições diretas [escolha direta dos cargos
eletivos: presidente da República, presidente de estado, senadores, deputados
federais e estaduais, prefeitos e vereadores].
2.
Governo de Deodoro – 1891 [24/1 e 23/12]
O governo de Deodoro foi marcado por muita
instabilidade política e o acirramento dos conflitos entre os grupos
republicanos e setores populares. Isso foi agravado pela intervenção nos estados
para eliminar oposições, a decretação do Estado de Sítio para reprimir as
oposições; e a tentativa de estabelecimento de uma Ditadura. Além disso, a
política econômica adotada, conhecida por Encilhamento [adoção de Medidas para
aumentar o crédito e o investimento na produção e no comércio], provocou a emissão
de moeda sem lastro e a especulação financeira, que resultou em inflação crescente,
que chegou a 89,9% em 1891 [em 1889 estava em 1,1 %] e falências generalizadas.
O resultado foi a renúncia de Deodoro.
3.
Governo de Floriano – 1891/1894
O governo de Floriano Peixoto foi marcado
pela centralização e fortalecimento do Poder Executivo, medidas a favor da
maioria da população, em especial na capital, Rio de Janeiro pelos conflitos
entre grupos radicais [“jacobinos”] e portugueses [considerados monarquistas] e
apoio de cafeicultores paulistas [recursos financeiros e força armada].
Porém, o governo enfrentou oposições
acirradas em alguns estados e na Marinha. Entre 1893 1895 ocorreram a Revolta
Federalista [1893-1895, RS/SC], que opuseram setores oligárquicos apoiadores de
Floriano, os positivistas/centralistas (pica-paus)
contra os setores LIBERAIS/FEDERALISTAS (maragatos);
e Revolta da Armada – [1893], liderada pelo Almirante Custódio de Melo, contra
as medidas do governo de Floriano.
4.
Propostas Republicanas
Durante a constituição da República
ocorreram debates entre os apoiadores de três propostas:
- POSITIVISTA: o governo deve ser
centralizado e forte para manter a ordem e permitir o progresso; a
fundamentação encontra-se no Pensamento Iluminista, mas estabelece a
necessidade de uma Ditadura efetiva orientada por aqueles que são considerados POSITIVISTAS
e pelos Empresários; no contexto brasileiro, o grupo ideal a concretizar um
projeto positivista é o militar [ordem].
- JACOBINO: sob influência das ideias
radicais dos JACOBINOS franceses [REVOLUÇÃO FRANCESA], agem para estabelecer um
governo com participação popular e representatividade direta, mas aproximam-se
de Floriano Peixoto e apoiam as medidas centralizadoras e de fortalecimento do
Poder Executivo.
- LIBERAL-FEDERALISTA: sob influência do
ideário LIBERAL de vertente estadudinense, apoiaram propostas federalistas
[descentralização/autonomia política e administrativa] e da garantia das
liberdades individuais e da propriedade privada; prevalece no texto
Constitucional de 1891 com as devidas adaptações ao contexto brasileiro.
5.
República Oligárquica – 1894-1930
A maior parte da população brasileira vivia
no campo [estima-se em 70% da população economicamente ativa, PEA]; eram
naturais do Brasil e imigrantes que trabalhavam em troca de algum rendimento ou
eram arrendatários. Havia carência de condições de saúde e higiene, de educação
e estavam sujeitos aos interesses dos donos de terras.
Nas cidades crescia o contingente de
trabalhadores nas indústrias e dos setores médios ligados às atividades de prestação
de serviços. O maior crescimento observava-se em São Paulo e Rio de Janeiro.
Nelas, as transformações eram aceleradas: avenidas eram abertas;
lojas, restaurantes, cafés e teatros em estilo europeu eram construídas;
o tráfego de bondes e, depois, carros, acelera a vida; enquanto cresciam os
bairros operários distantes dos centros “chics”.
Nesse cenário as relações sociais e
políticas garantiam o poder das oligarquias e a exclusão da maioria da
população das decisões políticas e administrativas.
Dois partidos destacavam-se: o Partido
Republicano Paulista e o Partido Republicano Mineiro. Todos os acordos
políticos passavam pelas mãos desses partidos de maneira a considerarem que a
política do período era “Café com Leite”.
Sabemos hoje que nem todos os presidentes da República eleitos eram
paulistas ou mineiros, porém todos tinham o apoio de um desses partidos ou de
ambos.
A manutenção das oligarquias no poder tanto
em nível Federal quanto no Estadual dependia de acordos mútuos, que ficaram
conhecidos como Política dos Governadores, ou dos Estados. A concretização
desse mecanismo de poder ocorreu no governo de Campos Sales [1898-1902] e
podemos caracterizá-la da seguinte maneira:
-
equilíbrio entre as instâncias [poder público municipal, estadual e federal] de
poder e as oligarquias;
-
submeter as camadas populares e afastar as oposições;
-
estabelecimento de uma hierarquia entre as instâncias de poder e os mecanismos
de exclusão;
-
troca de favores: apoios políticos [eleições e aprovação de leis nas câmaras
legislativas] e verbas públicas;
-
instituiu-se a Comissão de Verificação de Poderes: regulamentação dos
“diplomas” dos deputados com intuito de validar a posse dos eleitos.
Além disso, podemos caracterizar o quadro
político do período com elementos herdados da colonização portuguesa e do
Império: Privatização do Público [patrimonialismo – o uso dos bens públicos em
benefício de interesses particulares]; a Ideologia do Favor e o Clientelismo [a
troca de favores entre quem detinha o poder e pessoas das camadas populares,
além de estabelecimento de “uma rede” de favores em órgãos públicos]; e o Mandonismo
[o exercício do poder nos municípios sem levar em conta a lei]. Costumamos nos
referir a essas práticas políticas como CORONELISMO [controle político de
latifundiários e outros com poder
econômico nos municípios; uso da coação física e da troca de favores – “voto de
cabresto”, “curral eleitoral”].
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